A sala é pequena assim
como toda a casa e na falta de mais alguém para que o tempo passe mais rápido,
ela deita as lâminas do baralho uma a uma em ordem decrescente em cima da mesa
onde há somente um cigarro aceso e um cinzeiro como companhias enquanto o
relógio na parede insiste em resmungar um tique-taque incessante. Nenhum dos
três liga para qualquer som externo.
Pensou em colocar algo
para tocar, porém, a cada carta que a mulher pegava em suas mãos, trazia à tona
alguma lembrança e nenhuma delas seria recordada ou esquecida se outra carta não fosse posta junto as outras. Já
tinham se passado duas horas.
A infância na casa
ampla e ensolarada, o convívio com as irmãs, as brincadeiras de menina e os
aromas e sabores que marcaram a criança que um dia foi, tudo estampado no Ás de Ouro que trouxe consigo a juventude,
os primeiros amores, os tantos desamores, os excessos e descobertas de um Cinco
de Copas que a perturbou, pois as memórias eram muitas e desencontradas.
A decadência da
família, antes dona de boa parte dos negócios da cidade, as primeiras
dificuldades financeiras, a separação dos pais, o casamento das irmãs e a
dissolução rápida de seu mundo mostrado em cartas de Espadas como se fosse um
espelho que salienta todas as rugas e marcas de expressão que a mulher nunca
gostou de ver.
Após isso, a vida que
não foi nem boa demais nem insuportavelmente tirana, apenas morna como um café
que se esquece de beber a tempo. Foi acostumando a querer que nada ficasse pior
e que tudo se estabilizasse nas cartas do naipe de Paus.
Levantou da mesa e
abriu a janela que mirava toda a parte baixa da cidade. As luzes começavam a se
acender enquanto a claridade morria suavemente. Ela olhava a vista de dentro de
si e deixava a cidade vê-la na esperança de que algo extraordinário pudesse
acontecer e é nesta hora que a campainha toca e as mesmas malas que um dia
deixaram a sala que ficou vazia, decidiram trazer alguma companhia de volta.
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