terça-feira, 2 de outubro de 2012

Picadeiro


"Por entre flores e estrelas
 Você usa uma delas como brinco, pendurada na orelha..."

Nana sempre foi uma menina vaidosa, desde muito pequena adorava se pintar com o estojo de maquiagens da mãe. Hoje, ainda se pinta antes de entrar no picadeiro.

Tudo começou numa tarde de verão, ela brincava numa praça junto de suas vizinhas quando o circo chegou na cidade em caravana. Nana viu toda aquela cor, moços e moças andando bem lá no alto como se estivessem no céu, de repente a pequena viu também uma mulher que jogava fogo pela boca sem se queimar, os animais brilhantes e selvagens e as bailarinas que pareciam estar dançando na Lua tamanha graça e leveza com que se movimentavam.

"Respeitável público! Venha um, venham todos ver o famoso circo Mundial, que leva a alegria por onde passa!!"

A menina correu pra casa para avisar os pais e pedir para ir ver o espetáculo. Foi atendida. Nunca se viu tanta alegria na cidade. Todos estavam extremamente animados com o espetáculo, com o jeito que os animais obedeciam os tratadores, com o humor inabalável dos palhaços e com a destreza dos equilibristas, que subiam bem no alto e pareciam estar caminhando no chão. 

Nana quis ir a todos os dias de espetáculo. Lógico que ouviu dos pais um "Amanda, não vamos ir a todas as noites no circo. Uma vez só já basta" .

Na noite da partida dos artistas, se escondeu dentro do baú de um caminhão e se incorporou ao grupo do circo. Nunca mais teve notícias dos pais e nem eles dela que a procuram até hoje, dez anos depois.  


Noir


A música toca lenta, o lugar é enfumaçado e escuro. Tudo em minha volta gira. Certamente não devia ter bebido tanto. Tenho vontade de sair mas minhas pernas não obedecem mais. São três da manhã, já devo ter perdido boa parte do dinheiro que recebi hoje. Um par de olhos castanhos me olham fixamente do outro lado do salão.

Gentes de toda cor, tamanhos e esquisitices povoam esse bar. Dizem que é o mais noir da cidade, pra não dizer fuleiro mesmo. É um dos poucos lugares que existem na cidadezinha de Esperança onde todos vêm a procura de diversão, bebida e um paliativo para suas vidinhas medíocres.

Ela caminha em minha direção, me pergunta se eu pago uma bebida pra ela. Digo que por aquele par de pernas pagaria qualquer coisa, ela dá uma risada alta e quer saber quem sou e como vim parar ali enquanto acende um cigarro. Sou de longe, trabalho com comércio vivo de cidade em cidade ganhando um pouco de dinheiro e perdendo tudo o que me resta de juventude. Odeio o meu emprego, sempre quis ser músico mas não tenho bem certeza de por que deixei de fazer o que queria para andar vendendo remédios em boticas de cidadelas do interior. 

De gole em gole a conversa vai ficando mais interessante e o convite para um lugar mais calmo e privativo torna-se uma possibilidade...

É só o que lembro de ontem a noite, antes de acordar nessa estrada sem minhas malas e meu dinheiro, seu guarda!