Em tudo o que vemos, sempre há algo que não enxergamos ou não
damos tanta atenção. Parece que não são somente os retrovisores dos carros que
possuem essa capacidade ignorativa.
Passava todos os dias pelos mesmos lugares. Coisa de rotina.
Via as coisas que via, sem mais. Sempre fiz mais o que precisava do que o que
realmente queria. Aquela loja nunca fez parte do meu itinerário.
A rua eu já conhecia de olhos fechados. As calçadas,
ladrilhos, placas de anúncio e janelas, também. A livraria era só mais uma.
Existem pessoas que passam e pessoas que ficam. Clichês à
parte, eu sou desses caras que passam, muito apressados. Ser criado na cidade
causou esse efeito em mim.
Cafés, cigarros, jornais e muito trabalho. Um saco.
Lembro que um dia vindo do trabalho e lendo alguns anúncios no
jornal enquanto caminhava esbarrei em uma moça. Fiquei bem preocupado, mas ela
parecia bem. Quase não me olhou. Só fugiu. Cidade é lugar de gente esquisita
mesmo!
Todos os dias vejo ele passar por volta das cinco e meia. Às vezes
vestido com mais formalidade, outras não. Nunca falei com ele, mas o ver passar
me faz sentir bem.
Não trabalho nessa livraria. Gosto de vir aqui porque gosto
de ler e os horários da minha vinda para olhar as novidades acabam coincidindo
com a hora dele cruzar a rua. Ok, eu assumo. Vou para as prateleiras da frente
da livraria, perto da porta, para vê-lo mais de perto.
Outro dia, vi que precisava usar mais meus óculos da pior
maneira. Estava saindo da livraria desatenta. Procurava o cartão do
estacionamento. Não percebi que alguém vinha na mesma direção e em rota de
colisão comigo. Só senti a batida. Estava envergonhada demais e míope demais
para ver o acidente. Só depois que tinha passado, vi que era ele. Amanhã volto
à livraria.