A certeza de um dia sem surpresas foi
o que motivou Lúcio a levantar da cama naquela sexta-feira, afinal, faltava só
mais um dia para o final da semana e tudo estava planejado para que o sábado e
o domingo fossem intensos (que o diga o número de telefone dentro do bolso de
seu casaco). De súbito percorreu o percurso Chuveiro-Toalha-Cafeteira-Café-Pão-Geleia-Bolsa-Chave
da casa-Porta-Portão-Rua, com um vigor digno de um atleta que corre a São
Silvestre. Encarou sem nenhum contragosto a parada de ônibus e os 20 minutos
que levaram para o coletivo aparecer. Entrou e logo conseguiu um assento ao lado
de um senhor. Camisa social branca, calça de linho, talvez trabalhasse no
comércio ou fosse algum tipo de pastor.
“Desculpa, senhor, tem horas?”,
perguntou timidamente o rapaz.
“São quinze para as oito, menino. E
pode me chamar de Adão.”, disse o homem.
Ele ainda estava no horário. Aquele
dia seria bom, o trabalho passaria rápido e logo ele estaria sentado em algum
bar, tomando um chopp e talvez conseguindo levar a dona do número de telefone (aquele
do bolso do casaco) para casa ou para mais um encontro. Nosso Don Juan era
daqueles caras trabalhadores, dos muitos que existem por aí. Tinha um emprego
modesto, mas conseguia pagar as suas contas e ainda economizar um pouco para os
tempos “imprevisíveis” como ele mesmo gostava de classificar.
Lúcio empilhava títulos de
Empregado do Mês na Farmácia Central, a mais conhecida de sua cidade. Começou a
jornada empolgado. “Bom dia, meu rapaz.”, disse um senhor já de bastante idade
e de voz frágil, “Eu preciso daqueles remédios para gripe, sabe? Tem feito
muitas friagens nesses dias, nóssinhora!”
“Eu tenho aqui cápsulas de
Resfedina. Elas são muito boas para prevenir esses resfriados. O senhor vai
querer estas? Sim, elas são baratas. São 2 reais a cartela com quatro cápsulas.
Ok, então, eu só preciso saber o seu nome para colocar aqui no pedido.”
“Meu nome é Adão de Souza.”
Lúcio fez uma expressão de estranhamento.
Já era a segunda vez em menos de uma hora e meia que ele interagia com duas
pessoas que tinham o mesmo nome. Quais eram as chances daquilo acontecer? E
quantas pessoas estariam passando pela mesma coisa ou já tiveram passado por
aquilo. O atendente logo esqueceu do ocorrido, pois o fluxo de clientes na
farmácia estava intenso naquela manhã.
Saindo do trabalho ao final da
tarde caminhando pela calçada, ele passou por um policial militar. O agente
passou tão perto dele que foi possível notar a sua identificação: “Adão”,
estava escrito. Aquilo estava esquisito, mas pior era o frio que fazia naquela
tarde-noite, então Lúcio resolveu passar numa lancheria e pegar um café para a
viagem e esquentar o corpo e o coração porque a hora da ligação que ele deveria
fazer estava chegando e com ela a expectativa do encontro de logo mais.
Ele abre a porta da lancheria,
modesta com bancos altos virados para um balcão antigo cheio de salgados
parecidos com aqueles que a vó de qualquer um faria a qualquer hora. O ambiente
cheira a fritura e a pó de café. Uma cafeteira gigante solta fumaça como um
dragão de filmes onde dragões aparecem e fazem coisas que dragões fazem.
“Um café.”, pede Lúcio.
“Com leite?”, pergunta o
balconista.
“Puro, por favor.”
Ainda com aquelas coincidências na
cabeça, Lúcio resolveu perguntar o nome do homem que servia o seu café. E para
a sua surpresa também era Adão. Foi a gota d’água.
“Com licença, senhor”, se dirigiu a
um homem que devorava um croquete sentado em uma mesa, “Como você se chama?”
“Que pergunta, meu! Me deixa comer!”
“Por favor, só me diz o seu nome e
eu não lhe incomodo mais”, insistiu Lúcio.
“Meu nome é Adão, cara. Agora posso
terminar de comer?”.
Intrigado, resolveu perguntar em
voz alta se mais alguém ali tinha o mesmo nome, que levantasse a mão, Todos os
homens que estavam comprando, comendo ou simplesmente passando o tempo
levantaram as mãos. Esqueceu do café e do frio correndo em direção à rua e
indagando todos os homens que passavam pelo seu caminho sobre seus nomes e para
o seu estranhamento total as respostas não variavam.
Até que um Adão resolveu estender a
conversa.
“Você é maluco, rapaz? Sair por aí
perguntando o nome de todo mundo. Você não parece alguém que deva ser
internado.”
“Isso é brincadeira. Deve ter
havido algum engano, sei lá. Uma cidade toda não pode ter o mesmo nome. É
impossível. Você tá entendendo?”
“Ah, é? Então qual é o TEU nome?”,
disse o interlocutor de Lúcio num tom incisivo.
“Lúcio. O meu nome é Lúcio.”
“Hahahahaha. ISSO é brincadeira.
Você realmente tem problemas, garoto. Vai procurar um médico.”
Lúcio foi ao encontro, teve algum
sucesso com a dona do telefone. Ela realmente estava afim daquela noite e de
mais alguns encontros, foram mais três. No quarto encontro, a menina botou as
cartas na mesa (já se sentia confortável para falar de coisas mais sérias).
“Olha...Lúcio... você é um cara
muito legal e eu gosto de ficar contigo, mas tem uma coisa que me incomoda um
pouco...”. A moça estava hesitante.
“O que? Fala. Vamos resolver já.
Assim não temos tempo dessas coisas virarem piração.”
“É sobre o teu nome. Pronto, falei.”
“Hã??”
“Sim. O teu nome... Não curto o teu
nome, mas isso não quer dizer que eu não goste de você. Só vou ter que
acostumar com ele.”
“Sério? Mas esse é o meu nome. Eu
não posso trocar!”
“Eu sei. Mas existem nomes
melhores. Ó, Adão, por exemplo. Eu acho um nome lindo.”
O mundo estava de cabeça para baixo
e não havia mais jeito de voltar ao normal. Lúcio foi ao cartório e virou “Lúcio
Adão dos Santos.”