sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Tango

Tan – Tan – Tan – Tã.

O brilho suave e prateado da lua cheia ilumina os meus sapatos quase novos. Sinto-me importante outra vez enfim. É noite, a cama não chama e nem o travesseiro satisfaz.

Na rua.

É onde a procura acaba. Sinto um perfume qualquer que exala não sei de onde. É quando ouço o som soar.

Tan – Tan – Tan – Tã.

Caminho um pouco mais e vejo a porta aberta, a luz, que é meia-luz, acesa. A melodia me tenta, tento fugir, afinal, é só uma caminhada, mas a rosa no cabelo me puxa tal tivesse a força de mil exércitos.

Vem, é só uma dança!

O salão ainda vazio, mas não importa, fui escolhido pela rosa, pelo vestido justo ao corpo, pela melodia melancólica e cadenciada do bandoneon. Sinto-me apenas flutuar, faz tempo desde a última vez, muito, e é como se não fosse. Aqui, riscando o chão desse lugar tudo faz sentido.

As dores da vida, do amor e do mundo não tem nenhuma importância. Somos todos hipnotizados por essa vida e tal como hipnóticos seguimos até o último salão cerrar suas portas.

 Tan – Tan – Tan – Tã.

domingo, 8 de setembro de 2013

Sobre malas e gelo

O furor não é nada mais que coisa fugaz e passageira. Ele vai e com ele os anos de minha vida. Já foram quantos? Nem me dou o trabalho de contar.

As pedras de gelo do meu copo dançam coladas uma na outra como se estivessem numa slow dance tão melhor que as dos casais que conheço ou que conheci. Esse tem mais mobilidade e sincronia e tal como alguns outros que também conheci, de perto ou de história, irá se desfazer aos poucos, pela ação do tempo ou do desuso, a não ser que não se movam. É inevitável, pois como dizem por aí: praticamente tudo é renovável.

Gosto de malas. Acho-as muito práticas e cheias de significado. Postas no chão depois de longa viagem traz alívio. Postas na porta com você do lado de fora transforma tudo em novo começo mesmo que às vezes o começo seja sem você, a primeira vista.

Visto o casaco, o cachecol, as luvas e saio desse lugar. Nunca me senti realmente inteiro aqui. O cheiro de borracha queimada dos trilhos da estação me invadem as narinas mesmo eu estando a alguns quarteirões de distância do início da minha mudança. Penso em como seria bom comer agora um apfelstrudel, mesmo que nunca tenha provado um e que esteja à quilômetros inimagináveis de achar alguém que saiba o que é isso. São coisas que a internet faz com você. Ter memórias de coisas que não são realmente parte do seu mundo.

Sigo pela rua movimentada. Vendedores ávidos pelo próximo faturamento me abordam a todo instante, solícitos e simpáticos, mas não chamam minha atenção. Malabaristas, artistas, cantores itinerantes entretêm crianças e idosos com suas performances, ilusões gratuitas, mas nenhuma melodia ou truque ótico me fará enxergar de forma diferente a realidade de que não há mais espaço relevante para mim nesta cidade. “Vai mesmo! Há muitos lugares no mundo”, dirão vocês, “Vou sem pensar em voltar”, direi eu.

Fica por aqui quem quiser ficar, quem puder chegar. Faz frio demais para lamentações.
Não compro um “guia do viajante”.

Satolep, Istambul, Pasárgada ou Macondo. Os ventos da lucidez me levarão adiante, para onde o rei será mais que um amigo e tecerá teorias sobre pedras de gelo em copos de scotch sentado a meu lado.