O furor não é nada mais que coisa fugaz e passageira. Ele
vai e com ele os anos de minha vida. Já foram quantos? Nem me dou o trabalho de
contar.
As pedras de gelo do meu copo dançam coladas uma na outra
como se estivessem numa slow dance tão
melhor que as dos casais que conheço ou que conheci. Esse tem mais mobilidade e
sincronia e tal como alguns outros que também conheci, de perto ou de história,
irá se desfazer aos poucos, pela ação do tempo ou do desuso, a não ser que não se
movam. É inevitável, pois como dizem por aí: praticamente tudo é renovável.
Gosto de malas. Acho-as muito práticas e cheias de
significado. Postas no chão depois de longa viagem traz alívio. Postas na porta
com você do lado de fora transforma tudo em novo começo mesmo que às vezes o começo
seja sem você, a primeira vista.
Visto o casaco, o cachecol, as luvas e saio desse lugar.
Nunca me senti realmente inteiro aqui. O cheiro de borracha queimada dos
trilhos da estação me invadem as narinas mesmo eu estando a alguns quarteirões
de distância do início da minha mudança. Penso em como seria bom comer agora um
apfelstrudel, mesmo que nunca tenha
provado um e que esteja à quilômetros inimagináveis de achar alguém que saiba o
que é isso. São coisas que a internet faz com você. Ter memórias de coisas que
não são realmente parte do seu mundo.
Sigo pela rua movimentada. Vendedores ávidos pelo próximo
faturamento me abordam a todo instante, solícitos e simpáticos, mas não chamam
minha atenção. Malabaristas, artistas, cantores itinerantes entretêm crianças e
idosos com suas performances, ilusões gratuitas, mas nenhuma melodia ou truque ótico
me fará enxergar de forma diferente a realidade de que não há mais espaço relevante
para mim nesta cidade. “Vai mesmo! Há muitos lugares no mundo”, dirão vocês, “Vou
sem pensar em voltar”, direi eu.
Fica por aqui quem quiser ficar, quem puder chegar. Faz frio
demais para lamentações.
Não compro um “guia do viajante”.
Satolep, Istambul, Pasárgada ou Macondo. Os ventos da
lucidez me levarão adiante, para onde o rei será mais que um amigo e tecerá
teorias sobre pedras de gelo em copos de scotch sentado a meu lado.