quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Para a amiga

Qual a valia de cobrir o amor com o véu da amizade se mesmo e na verdade se está é jogando água dentro do rio?

Ser direta, forte, imóvel como pedra cravada no campo não é mais do que deixar de ver toda a paisagem que há no distante.

Amiga, não há jogo jogado, dança já dançada ou frase já dita. Qualquer destas artes é feita da ferida, do riso e do silêncio. Tudo sem improviso.

Não decrete assim por decretar o que é e o que não, pois o caminho nos torna cegos do brilho e da ilusão do que um dia foi estrela e tal como o brilho delas, existe só num tempo que passou.

Amiga, me dê a tua mão.

Amiga, seja amiga, bendita, maldita, espera aflita que acaba num sorriso claro como a folha que te clama.


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Obsessão

Tenho uma obsessão. E quem não?
Mania de querer
Querer ter pensamentos geniais
O tempo todo.  
Mas, calma, essa mania não é sempre que acontece.
Só quando me desce algo não sei de onde e que faz eu não desgrudar.
Da tinta que valseia na folha que abre os braços e me recebe.

De linhas abertas.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Ao mar


O vento que bate agita sua roupa e seus cabelos. Aquela noite por algum motivo parecia bem mais longa que todas as outras que tinha vivido e sobrevivido e apesar de tudo o que havia passado nada ainda era suficiente. Tudo parecia ser tão cedo mesmo que o tempo não importasse. O caminho até o cais era longo e sinuoso, cheio de curvas e golpes de vista, graças a bebedeira que o abraçou forte durante toda a madrugada, ele retribuía da mesma maneira o abraço carregando uma garrafa quase vazia debaixo do braço.

E a dança era lenta, os passos, em falso e o barulho intermitente dos carros passando em cada rua que atravessava e não notava nada. Ele confiava no senso comum que diz que o divino cuida melhor de quem não está sóbrio. Pelo menos é o que ele pensa ou pensa que pensa nisso toda vez que bebe.

O cheiro de mar misturado ao de suas roupas que rescendiam não a álcool em si, mas a cigarro e a noite, pois a noite possui um perfume inebriantemente forte que é notado por todos aqueles que nos olham depois de três madrugadas seguidas: como se ela não quisesse que você fosse de mais ninguém porque ao contrário do dia, a noite é mulher de olhos penetrantes, de cabelos escuros, vestidos provocantes e ciúme eterno de quem a procura nem que seja por uma vez.

Depois de algumas esquinas, de muitos cruzamentos e de esvaziar a garrafa que trazia consigo, ele enfim chegou ao cais puxou do bolso do casaco um guardanapo amassado, uma caneta, se apoiou no parapeito que separa a terra do mar aberto e correu o traço em versos.

Não te conheço e às vezes não sei se quero ou se necessito conhecer e reconhecer teu rosto.
Não sei falar de amor, não vou a Copacabana, não gosto de salsa, o tempero.
Por mais ridículo que seja, sei que você vai achar esta garrafa com este meu bilhete. Só te peço um favor: não se faça de rogada, venha ao meu encontro.

Colocou o bilhete dentro da garrafa vazia e a arremessou com toda a força para dentro da água. Virou de costas e foi mais uma vez para os braços de quem lhe queria como posse.


domingo, 5 de janeiro de 2014

O dia da traça


“Daqui não irás passar!”, falou com toda pompa e sequidão um guarda de lança em punho e armadura vestida, a ele não dei ouvidos e adentrei o lugar com o foco de um caçador e com agilidade tal bicho veloz das savanas do tão perto e tão longe continente africano. Eu sabia o que queria naquele momento. Logo que dentro do lugar, amplo e imponente, fui convidado a sentar à mesa com dois homens que bebiam Whisky. Segundo um deles ao erguer-me seu copo, “Bebida não é algo feito pela mão do homem, mas pelos instrumentos misteriosos e eficazes do tempo”. Decidi não beber, me pareceu pouco apropriado misturar as minhas horas de busca com álcool.

Me embrenhei por entre os imensos corredores e deles vinham sussurros, música, cantos, dança, passos, diálogos, brigas, gritos e tudo foi ficando ensurdecedor demais para se prestar atenção onde se podia pisar e quase viro cativo da música de um flautista, mas segui. Tiros de canhão, soar de sinos, risadas, lamentos, o perfume da guerra e o odor da paixão, tudo ao alcance da mão. Por fim, consegui os volumes que queria dentre as variadas formas, tamanhos, capas, títulos e estórias colocadas naquelas estantes que pareciam mais vivas até do que eu mesmo.

“Mais alguma coisa, senhor?”


“Vocês tem marca-página?”, era o que eu devia ter perguntado, mas sempre esqueço. 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Luzindo


O fogo e o pavio viram uma chama que aos poucos vai crescendo e apontando para o céu. Criam uma ponte que ninguém vê, mas que se torna tátil por algo que também não se explica direito, que está ali e sempre esteve. É disso que é feito esse momento para o homem que vem de longe e que é humilde, para a madame que veio diretamente da aula de Pilates, para a criança que não sabe direito porque vem, mas que sabe que depois disso tudo vai ter doce e bolo na confeitaria da esquina. Cada um acende a chama para o que quer, cada um persiste nela para o que precisa.

Enquanto isso é noite escura no centro do infinito, mas não aquele tipo de escuridão que assusta, mas uma escuridão feita de um negro que cobre tudo como um manto e que traz a prata da lua cheia estampada em si. Nas ruas deste lugar não é necessário que haja asfalto, pois não existem carros nem outros tipos de automóveis somente passagens que se entrelaçam para a travessia dos que vivem neste lugar. Um homem de vestes escuras, de uma elegância antiga e olhar fixo no horizonte está à espera de algo enquanto dá baforadas num cigarro. Tudo é silencio.

O campo é repleto de árvores frutíferas, pássaros cantam alegremente a todo instante e a água corre límpida e graciosa no riacho que vai em direção ao sul de Todos os Lugares. Sentado em uma pedra que o deixava ligeiramente mais alto que os animais que vinham vê-lo atraídos pelo som, um menino de cabelos cor de cobre, braceletes de ouro e pele muito alva tocava delicadamente uma flauta também dourada. Ele parecia não se importar com o que acontecia a sua volta, somente a música que compunha sem nenhum planejamento ou preocupação. Tudo é inspiração.

E então a chama que apontava para o céu invade tudo e tudo é luz, tudo é calor. O homem de escuro ainda com olhos fixos no horizonte, ri. O menino tocador, faz mais e mais floreios em sua música.


Tudo é luz.