domingo, 28 de julho de 2013

Je ne parle pas français


“Será que esse lugar fica muito longe?”, pergunto a um senhor que passa por mim. Ele está bem vestido, carrega uma pasta preta e um jeito de certa pressa existencial.

“Meu jovem, não tenho tempo para essas coisas. Estou apressado demais”, diz ele tentando manter seu ritmo de caminhada e me ignorar completamente.  

É domingo. Faz um sol não mais que morno e dias assim não costumam ser muito diferentes mesmo, pois domingos são assim. Só o que tenho é um postal amarelado com duas palavras escritas no verso Laurent hôtel - 408. Não fazia a menor ideia de onde ficava o lugar. Muito menos o porquê daquele acento estranho no “o” da palavra “hotel”.

Nessa cidade tudo é encantadoramente complicado e caótico. Por isso pessoas como eu resolvem às vezes sair por aí de bicicleta mesmo. Poupa-se tempo e algum dinheiro adotando essa prática.

Não tinha em mente algo concreto e claro do quê fazer. Pretendia simplesmente pedalar pelas ruas e deixar qualquer resquício de vida mecânica, industrial, rotulada e rotineira para trás por alguma hora e meia.

Logo no início da minha programação me distraí ao passar por baixo das estruturas de um edifício em obras. Colunas e essas coisas sempre me fascinaram. Lembro que quando menino gostava de desenhar casas, prédios, pontes, diferentes tipos de tijolos. Até os que não existiam eu inventava....

De repente estava meio desorientado e caído no chão. Lembro que a primeira coisa que notei, mesmo ali entre as pedras da calçada, foram as sapatilhas pretas e o vestido branco florido que não mostrava mais que um pouco abaixo dos joelhos de uma menina que sorria muito. Ria, na verdade. Ria de mim.

“Desculpa... ai...” (meu cotovelo direito)
“Tu tá bem?”
“Acho que sobrevivo. E tu, moça? Não parece machucada...”

Por algum motivo, ela nada tinha sofrido.

“A minha bolsa caiu, mas não tinha nada que pudesse ser quebrado. Olha por onde anda da próxima vez, tá? Cuidado.”

Enquanto juntava os pedaços de mim e averiguava se a magrela tinha condições de seguir, notei um cartão caído perto de onde eu estava. Era o tal cartão que tenho em mãos agora, pois sei que ele caiu da bolsa da minha vítima.

Por um instante, me senti dentro de um filme antigo. Mocinho com pista de mulher misteriosa à sua procura e tudo de bom que isso talvez resulte. Por isso preciso achar o lugar que está escrito nesse papel, encontrá-la e pedir desculpas decentes. (Sim, sou um cara antiquado. Sei que minhas atitudes meio que cheiram a mofo às vezes, mas que fazer?)

Após a negativa do homem apressado, sentei numa escadaria de um edifício para pensar. Eu precisava de um plano que desse certo. Mas como fazer? Nessa cidade desse tamanho, seria um pouco difícil para achar esse tal hotel. Será que ela é de outro lugar? Tinha jeito de estudante...

Então tive uma ideia bem efetiva. Fui até a casa de Pedro, um amigo de longa data. Ele me emprestou seu computador com internet por alguns minutos. Achei o endereço. Viva as modernidades!

A caminho do hotel, que não ficava muito longe de onde eu estava. Vinte minutos bastariam para que eu chegasse lá, eis que meu telefone toca. Ao olhar para o visor vejo que não reconheço quem liga. Ao atender nem tenho tempo de falar nada...

“Je sais ce que vous cherchez pour moi... Je suis en attente”
(Sei que você me procura. Estou esperando.)

Fiquei confuso. Por que alguém me liga e fala em francês? Eu não sei francês.
“Oi? Olha... Não entendi nada. Talvez tenha sido engano...”

Desligou. Fiquei sem entender, mas desconfiei que tivesse tudo a ver com o cartão postal, a menina e o hotel.

Finalmente ao chegar ao Laurent hôtel, um lugar antigo, mas bem cuidado que pouco se assemelhava com o que tinha imaginado, deixei minha condução encostada na frente. Entrei um pouco incomodado, ainda pensando no que tinha ouvido daquela voz ao telefone. Uma mulher que parecia ser a dona do lugar lia um livro com um ar solene. Seus óculos estavam na ponta de seu nariz fino e longo.

“Boa tarde, senhora. Estou procurando por um menina. Tenho que devolver esse cartão para ela. Acredito que ela esteja aqui no quarto... quatrocentos e oito.”
“Você sabe o nome dela?”
“Hum...Não.”
“Eu não posso dar inforrrmações sobrrre meus hóspedes a estrrranhos, menino!”

Sem mais argumentos e bastante contrariado, agradeci e saí. Já do lado de fora do hotel ouço um “Tu é rápido mesmo!”. Era ela..

“Oi! Hum... é.... eu.... Ah! Teu cartão. Eu acho q é teu. É né?”

Rindo mais um pouco de toda a minha desenvoltura, ela assertiu com a cabeça. Achei que era hora de ir embora, cheguei a duvidar de tudo o que tinha feito até ali.

“Então tchau.”
“Como assim, ‘tchau’? É só isso?” disse ela. “Uso até meu francês contigo e é isso?”

Essa pergunta resultou num café, num número de telefone e na descoberta que Maria era prima de, quem diria, meu amigo Pedro.

Vou ter que aprender francês urgentemente. Acho que vou pedalar menos também.


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