terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Diário de bordo


O balanço do navio não me afeta mais. Já estou nisso há tempo suficiente para conseguir controlar as reviravoltas do meu estômago. O mesmo não acontece com o garoto que tenta dormir na cama ao lado da minha. Esses novatos...

Estamos em pleno mar.... Não. Isso é cópia barata de frase dos outros, mas não imagino outro jeito de começar a escrever.

Nasci pobre, em uma cidade onde mar era uma palavra quase tão distante quanto ele próprio. Uma cidade onde quase não chovia. Uma cidade onde o sol banhava tudo quase todo o tempo. O clima era quente. Tão quente quanto os ânimos das famílias que viviam em guerra pelo domínio do território e das plantações.

Sobrava terra, mas faltava espaço para mim que pensava muito em conhecer o mundo, ou o que desse para conhecer dele. Cresci. Perdi o pouco de família que ainda me restava e com isso, resolvi soltar minhas amarras daquele lugar seco.

A primeira viagem de toda a minha vida foi ao litoral. Lá conheci um velho de barba rala, pele queimada e marcada “pelo vento e pela solidão que vem da maresia”, segundo ele mesmo gostava de repetir num tom teatral. Chamava-se Salomão. Tinha um barco e muitos amigos.

Logo virei um deles e a convite do próprio Salomão virei tripulante do barco sob promessas de “viajar pelo mundo”, “ver a natureza e interagir com ela”, “experimentar comidas exóticas” e “conhecer novas pessoas”. 

Confesso que achei tudo muito tentador na época. Isso há cinco anos.

Hoje, quando lembro as frases dele e dos seus amigos vejo: comida ruim, tempestades em alto mar, alguns lugares que nem são tão bons assim, prostitutas feias e homens bêbados. É a vida, mas não tenho tanto do que reclamar. Coleciono belas vistas, amores, desamores e dinheiro que pegamos de barcos abandonados. Boa parte disso a serviço “De La Reina”, a liberdade.    

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