“Não sinta a minha falta. Pensarei em ti”.
Assinado: Eu
No final da folha havia sinais de umidade. Não posso
precisar se lágrimas ou gotas de refrigerante. Também não sei dizer o que pensei
quando li essas últimas frases. Já não sou o mesmo de antes. Esses anos todos
de front me deixaram com um sentimento de falta de novidade. Nem lembro mais como
é ser abandonado e como se reage a isso. Desaprendi muita coisa nesses anos de
guerra.
Sei as diversas formas de matar um homem. Para isso, eu
tenho o know how. Sei sobreviver na selva. Sei identificar ervas venenosas de
comestíveis, mas não soube descobrir o que aconteceu durante esse tempo que
estive fora. Provavelmente, um outro eu esteve aqui, várias vezes. Ou eu mesmo
deixei de estar.
Não sei mais como sentir isso. Olho para dentro do
guarda-roupas e vejo as minhas fardas, medalhas, revólveres dentro de uma
caixa. Tudo o que me pertence cabe em metade do espaço total do móvel. O que
você levou, fez com que aparecesse todo o espaço que você ocupava. Era muito
espaço.
O quarto rescende à baunilha. Engraçado como esse era o meu
cheiro preferido. O seu. Hoje, ele me deixa tonto cada vez que entro nesse
lugar. Por mais que as janelas fiquem sempre abertas, o cheiro não vai embora.
Já faz duas noites que acordo na porta de casa. Não lembro o
que acontece até eu chegar ali. Preciso ir a um médico.
Apoiando uma das pernas contra o balcão. Era assim que você
ficava quando estava fazendo algo na pia da cozinha. Agora eu só como comida
congelada. Minha incapacidade culinária sempre cruzou as fronteiras das salas
das casas dos nossos amigos. Eu sempre fui piada nas rodas de conversa. Eu até
ajudava em algumas piadas. Isso foi antes da guerra. Antes de tudo.
Em cima da mesa havia uma caixa de fósforos. Ela não existe
mais. Peguei as fardas, e as medalhas; as lembranças e a solidão. Tudo virou
fogo. As armas, vendi. A casa, também.
É preciso outras guerras, outros territórios.
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