Chove. Porque nada pode ser mais clichê do que um belo
começo de uma noite chuvosa. Ainda não é bem noite, mas uma tardinha. As ruas
tem aqueles espelhos d’água que fazem as poças e com elas aquela ilusão de
ótica das gotas que se dissolvem imediatamente pra formar-se parte da água já
presa ao chão e já não tão sagrada assim.
É possível ver a multidão de guarda-chuvas deslizando ao
longe e por todos os lados. Algo interessante sobre a chuva é que ficamos
naturalmente apressados debaixo dela o que explica os esbarrões e a quantidade
considerável de guarda-chuvas tortos que se pode ver por aí.
Mas hoje, o que me preocupa não é se vou chegar molhado ou
não em casa. Talvez um pouco isso, sim.
Odeio ficar molhado, faz frio e meu
carro ainda está no conserto. Mas o que realmente me preocupa hoje é que depois
de muito ficar olhando pela janela e pensando no que dizer. Vou me declarar.
Eu sei, eu sei. Isso parece muito anos 50 pro gosto de muita
gente que acha isso uma babaquice. Hoje em dia, em plena era do “tudo num clique”
ficar se preocupando com declarações de amor pode parecer muita perda de tempo.
Sinceramente, não me importo muito com o que meus amigos falam. Estou decidido.
Pego o elevador sozinho e o espelho me mostra. Não gosto
muito do que vejo. Nunca fui fotogênico. Tenho meia hora até chegar onde ela
trabalha. Apresso um pouco o passo. Preciso chegar a tempo.
Ao ver a rua movimentada e com todos indo e vindo, resolvo
checar meus bolsos. Foi quando percebi que tinha esquecido o bilhete que
escrevi. E agora? Não estava nem um pouco afim de voltar. Sigo sem bilhete
mesmo.
A caminho do prédio penso em muita coisa. No meu carro, que
seria tão útil hoje. No que será que aconteceria, pois tenho um transtorno
muito chato de tentar ficar adivinhado o futuro. Isso é chato por eu não ter
poder psíquico algum então eu só serviria para charlatão mesmo. Penso em ser eu mesmo, mas não tenho certeza
se isso funciona.
De repente ela surge na porta do prédio, o que me traz à
superfície do mar de pensamentos no qual eu estava. Também noto que estou bem
molhado. Droga! Ela fica surpresa em me ver por ali e diz que está um pouco
apressada, se eu quiser posso acompanhá-la até o seu carro no estacionamento
para um papo melhor e mais longo.
Percebi uma oportunidade melhor do que a que eu esperava.
Aceitei o convite. Ela começou a falar do dia estressante, das reuniões,
prazos, exigências e blá bla´blá blá blá e eu já não a ouvia mais, só imaginava
os próximos momentos. Senti como se fosse o jogador prestes a bater o pênalti
mais decisivo de qualquer Copa do Mundo dessas que já aconteceram em qualquer
época ou também o cara que tem o alicate que vai cortar o fio vermelho (sempre
é o vermelho) que desativa a bomba que estaria prestes a matar todo mundo no
filme e como todo o filme que se preze, ganha a mocinha no fim. Corri em
direção a bola com o alicate nas mãos. Toda a torcida presente cruzou os dedos,
atenta....
“Preciso te dizer uma coisa. Faz um tempo já.”
“Hm... Fala, mas eu tenho cinco minutos só. Se é sobre o meu
aniversário, se você não puder ir não tem problema.”
“Não é isso. É que...... Eu te amo.”
“...”
“Eu não precisei de muito tempo pra notar isso. Gosto de
tudo em você e quero uma chance. Acho que podemos ser muito felizes juntos.
Acho que todos nossos amigos já sabem disso. Só faltava você mesmo. Você não acredita quanto tempo eu levei para criar coragem para te dizer isso. Te amo, muito. ”
Ela não fica tão sem jeito quanto eu esperava. A torcida
estranha..
“ Eu... também...”
“Também o que?”
“Também gosto de você...”
Viro as costas e vou embora com um número de telefone no
bolso, um beijo burocrático e um também ressoando na cabeça.
Bola fora e fio verde cortado
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